Thursday, December 22, 2011

outras terras

três dias peleando
sentei e esperei que
os cheiros de outras
terras despregassem de mim

Tuesday, December 20, 2011

a trois

mais que o inferno sobrava
espaço naquela certeza.
éramos três. e cada
um deitou de seu lado.

era sábado

era sábado e até parece
que meu peito militante
voltou a bater. até parece.
era só indisposição renal
ou, no máximo,
claustrofobia

a fúria do mundo

se essas tábuas na parede esbarrassem na cara e levassem consigo a poeira que eu tinha entre os dedos, já não é mais nada; noite comum e insone. se antes de um giro elas se desfizessem, se colassem-se nos poros enormes de minha pele eu acordaria, afrouxaria as porcas, tiraria o húmus que insiste em apodrecer e acordaria, como as unhas que embranquecem ao calor. sim, se essas tábuas em mim colassem eu pararia de mentir, de gritar que a desordem em mim machuca – que meus olhos secos já não guardam esperança nas explosões afora a que me ilumina no silêncio da madrugada: era água que pediam, apenas água.

Monday, April 04, 2011

recorrência e regressão em teorema

sub:

amargaria-me sentir as margens embru-
tecidas por mangas de camisa, aos plásticos
entregues, aos plásticos volumosos que se
reciclam
que se consomem.
com o perigo da dis-
tração eu me contorso - meu
distanciamento torna-se convicto do lugar.

arcanos:

os pés nus inflamam-se
a poeira adere insone ao corpo. ele grita
fecho os olhos
ele grita

Thursday, December 09, 2010

fôssemos eternos, brecht,

durássemos infinitamente
e tudo permaneceria;
no entanto perecemos
porque nada é pra sempre.

Thursday, November 25, 2010

Intervenções em Mário de Sá-Carneiro

I

Vem, vem até mim José, me alcança enterrado no meio desses móveis, preso a esse outro eu, empoeirado vou ainda naufragando em minhas lembraças ou em alguns dos meus sintomas. É doença terminal, eu repetia, que me ampara nas horas solitárias, agride a arrogância seca. Que ampara. A gaveta que ora cobre minha cabeça tem dessas utilidades, é peso morto; é matéria de desagrado, e que vai clareando tudo, e tudo tão às mostras! Não entendo mais esses móveis apagados, me arranca daqui José, destrói os labirintos que há décadas nos separam, e que me esmagam, petrificam o peito. Jaz aqui, neste leito, Mário de Sá-Carneiro: embrutecido de suas escolhas, esquecido dos fins. E me vem um ardor que parece saudade, eu não sei, parece saudade mas a pele, nessas horas, descolore-se e a massa vai ficando amorfa; um cheiro de terra e champagne inunda-nos. O que eu quero, José, é só estender os braços... só isso, estender os braços. Me descança, então, e me abrasa com teus instintos uma única vez até que eu durma, até que eu decore, ou finja compreender, que o tempo não amaldiçoa quem comigo se perde. Vem, vem e te dou um único gole pra que o silêncio esteja entre nós e as palavras colem-se ao chão. José, meu crânio em tuas mãos, minhas flautas vértebras em tua boca, que o tempo não nos amaldiçoa. Que as intermitências de meu desejo, na agonia, na melodia que o trincar da taça imita, não desfavoreçam a áurea que agora nos ilumina. Eu quero essa luz, José. É um caminho inteiro a se perder e uma vida a renunciar. Mostro-te minhas mãos, aqui. E que além desses sufocos eu espero que saia uma palavra de ti, uma palavra e eu não demoro: vem, vem José, vem até mim.

II

A cada, a única manhã que cai, trôpega ou não, que cai; cai de minhas mão, que cai; vai de encontro ao chão e ensurdece os pedintes do estômago, os assaltantes de farrapos, as bronquites anônimas – eu, nesse ínterim, sigo de salto, mastigando a fruta proibida: cuspo para o lado, atento aos instintos alheios. É uma veste que cai, não importa, não importa que caia e leve consigo as minhas lembranças, a minha experiência, não importa mais que dentre as minhas cantatas escolhidas eu me aborreça com algumas: - Pois é o tempo, me sorriam, a mãe de todas as guerras, o berço de nossa hereditária miséria, o tempo. O tempo somos nós, nós que inventamos o tempo, fabulamos a métrica, os intervalos, fingimos a respeito do silêncio, eu dizia, fingimos a respeito do silêncio e dos homens. Embora contemos com os sussurros que não nos agridem, sussurros que, como massa, constroem o instante, a existência. Um ato comum e com isso eu queria dizer que os aplausos são mútuos, se existirem aplausos, assim como caso necessitemos das palavras nas quais pisamos maquinalmente, as palavras, elas que amenizavam as dores do início, do caminhar do espetáculo. São as dores do parto.


E eu repetia satisfeito: - Jaz aqui, homem feito, Mário de Sá-Carneiro!

Tuesday, November 23, 2010

Cântico das Mulukwasi

só os velhos machucam-se
com as indecisões do percurso, machucam-se
pra que nós nademos
à superfície.
um tronco vazio, o vazio que flutua
- cai no silêncio
vai carregar nossos medos, na névoa:
"nós nadaremos às nossas mães".

nós subiremos à superfície. já sentiu o sopro
suave em tua testa? é o silêncio quem navega,
nossos restos que contraem-se;
quem demora?

a saudade quebra o mantra,
só ouvi o canto cético das bruxas e senti
saudade
nós sentimos a força dos ventos
guiam-nos a precipícios
pra que nós nademos, dizem os velhos,
e busquemos nossas mães
nas margens escondidas dos rios.

Friday, September 03, 2010

uma estrela e a lua

res- piro/ as- sopro teu ar/ ar- quejo/ ex- plodo o luar

so- bejo/ cor- tejo o meu par

es- pirro/ as- sisto/ an- dejo/ um beijo/ me faço calar/ (cala-te)

in- sisto/ in- sisto/ in- sisto

in- cesto/ in- cesto

in- certo é meu par

me faço, me vejo

não, só esqueço que o que sinto por ti/ (cala-te)

que o que sinto por ti/ (cala-te)/ é apego


prados percorrem o enfermo que vai louco

atrás dos socos indescritíveis da mãe

que sangra na placenta a esperança da sombra perdida

ou só consumida no verde azul do céu


a bater-me forte o véu aberto/ abrir-me as veias/ me aperto

trazer do fim destas terras/ se é que têm fim/ minha razão adormecida

me aperto que faz calor/ e me dá sede

falo pra quem quiser ouvir/ me dá sede

falo pra quem quiser ouvir/ me dá sede esse calor

me aperto/ do céu aberto vim/ e vinde a mim/ acolhe-me/ adoça-me

tempera com teu calor o caldo de minha memória/ e cuida minhas feridas

acalenta minha dor

que vim do ventre/ vim do outro/ vinde a mim

me aperta que é quente/ me aperta


mendigo/ eles dor-mem-de-gor-ro

mendigo/ eles dor-mem-de-gor-ro


eu digo, mas não conta? o céu da minha boca que é azul/ (jura?)

ví hoje. e o teu?/ (não sei, nunca tive vontade de me ver)

faz bem. aquele que me achou no mais escuro dos corações

onde serenatas cantam despedidas

onde mãos frias tocam teus cabelos,

aquele achou-me no mais sincero abandono.

vi hoje, e o teu?/ o meu é da cor do mar

tão fundo o mar, tão distante

eu entro nele tímido pra colher as pérolas nos bolsos


meu amor é tudo tão vazio, tão disperso e negro como o sangue que machucaria teus lábios mais uma vez, pois me perdoa que eu não consigo mais sentar na tua frente, segurar um copo, olhar bem na tua cara e fingir interesse no que tu tem pra me dizer, Leonor, é tudo, tudo tão vazio, imerso, seco como meus pelos que procuravam em ti sossego, que esbarram nas cercas vazias de... é tão vazio meu amor... "a fonte paciente que deu de beber a tantas gerações vê com horror como esta última bebe-lhe a porção com expressão amarga", me dizia alguém... e é tão doce, Leonor, é tão pobre o palco, pobre a pintura que mendiga texto, que apaga meus passos porque é suja, é pobre a arte, o artista; faminta a plateia, faminto quem me disse que a fonte de beber que a tantas gerações acalentou vê com tristeza como nós a sorvemos com desprezo, meu amor, porque é suja, faminta a plateia.


ainda puxam-nos os tais fios de ouro

fios invisíveis que, no entanto, arrancam-nos fora a pele

são fios de ouro, soergue-nos da poeira

da poeira que mancha, da miséria que marca

cemitérios brotam nas praças

lá eu me vejo

lá eu me espelho que é de carbono o meu espírito, é de carbono

e me dói, me dói e é normal Leonor

me aperta

“ainda abertas estão as nossas veias”, gritam os mendigos

que carregam nos ombros os nossos pesos

que esperam cansados os nossos beijos

sobejos

abertas estão ainda, abertas

me aperta

eles gritam, me aperta

as portas, as costas nossas de cada dia

gritam os medigos!

e eu vejo

não, só esqueço que o que sinto por mim (shiiiiiiiii...)

que o que sinto por mim (shiiiiiiiiiii...)/ é segredo

nasci aqui, aqui me criei antes das tempestades de terra

antes da escuridão

e que tempos são esses em que falar de árvores e de homens é quase um crime?

por que silenciar-se se os mendigos gritam?

se murmuram nos meus sonos desconfortáveis?

eu quero ouvir! eu quero ouvir-me!

quero as palavras proibidas ecoando nas paredes

e que rachem as paredes, perfurem o tablado

e quero minhas palavras nas bocas de outros homens

e que eu repita a voz dos que consomem

dos que gritam:


ainda abertas estão as nossas veias/ o sangue espalha-se por estas terras sem fim

caudalosos rios lavam os brincos de poeira

carajás, carajás

(gritam os sulcos da terra)

é longe o campo, pobre a serventia/ arrastam o brilho dos olhos desse alguém

calos brotam no peito da menina

carajás, carajás

ouvem-se gritos/ ouvem-se tiros/ ouvem-se mentiras

carajás, carajás

carajás, carajás


assim eles retrabalham o tempo

o tempo que nos queima, amigo

o tempo

o tempo vazio, ainda

ainda que nos seja entregue

a vida que nos impedem, amigo

a vida

ainda assim o tempo vai nos ficar

nos vai deixar calados, de pé

de pé sob a terra

que é tempo de calar-se

amigos, de pé

o tempo

ainda, ainda somos nós

tiros acertam-nos o coração

porque somos só isso, amigo

somos um só

que ergue o punho (de pé, amigos!)

que grita

"as nossas veias ainda estão abertas"

porque somos um só

sós, amigos

amigos, sós


"Que os ventos benfazejos que açoitam as velas da rústica embarcação soprem sempre para nós, dando-nos coragem, dando-nos entusiasmo. E assim venceremos"