Thursday, December 22, 2011
Tuesday, December 20, 2011
era sábado
que meu peito militante
voltou a bater. até parece.
era só indisposição renal
ou, no máximo,
claustrofobia
a fúria do mundo
Monday, April 04, 2011
recorrência e regressão em teorema
que se consomem.
com o perigo da dis-
Thursday, December 09, 2010
fôssemos eternos, brecht,
e tudo permaneceria;
no entanto perecemos
porque nada é pra sempre.
Thursday, November 25, 2010
Intervenções em Mário de Sá-Carneiro
Vem, vem até mim José, me alcança enterrado no meio desses móveis, preso a esse outro eu, empoeirado vou ainda naufragando em minhas lembraças ou em alguns dos meus sintomas. É doença terminal, eu repetia, que me ampara nas horas solitárias, agride a arrogância seca. Que ampara. A gaveta que ora cobre minha cabeça tem dessas utilidades, é peso morto; é matéria de desagrado, e que vai clareando tudo, e tudo tão às mostras! Não entendo mais esses móveis apagados, me arranca daqui José, destrói os labirintos que há décadas nos separam, e que me esmagam, petrificam o peito. Jaz aqui, neste leito, Mário de Sá-Carneiro: embrutecido de suas escolhas, esquecido dos fins. E me vem um ardor que parece saudade, eu não sei, parece saudade mas a pele, nessas horas, descolore-se e a massa vai ficando amorfa; um cheiro de terra e champagne inunda-nos. O que eu quero, José, é só estender os braços... só isso, estender os braços. Me descança, então, e me abrasa com teus instintos uma única vez até que eu durma, até que eu decore, ou finja compreender, que o tempo não amaldiçoa quem comigo se perde. Vem, vem e te dou um único gole pra que o silêncio esteja entre nós e as palavras colem-se ao chão. José, meu crânio em tuas mãos, minhas flautas vértebras em tua boca, que o tempo não nos amaldiçoa. Que as intermitências de meu desejo, na agonia, na melodia que o trincar da taça imita, não desfavoreçam a áurea que agora nos ilumina. Eu quero essa luz, José. É um caminho inteiro a se perder e uma vida a renunciar. Mostro-te minhas mãos, aqui. E que além desses sufocos eu espero que saia uma palavra de ti, uma palavra e eu não demoro: vem, vem José, vem até mim.
II
A cada, a única manhã que cai, trôpega ou não, que cai; cai de minhas mão, que cai; vai de encontro ao chão e ensurdece os pedintes do estômago, os assaltantes de farrapos, as bronquites anônimas – eu, nesse ínterim, sigo de salto, mastigando a fruta proibida: cuspo para o lado, atento aos instintos alheios. É uma veste que cai, não importa, não importa que caia e leve consigo as minhas lembranças, a minha experiência, não importa mais que dentre as minhas cantatas escolhidas eu me aborreça com algumas: - Pois é o tempo, me sorriam, a mãe de todas as guerras, o berço de nossa hereditária miséria, o tempo. O tempo somos nós, nós que inventamos o tempo, fabulamos a métrica, os intervalos, fingimos a respeito do silêncio, eu dizia, fingimos a respeito do silêncio e dos homens. Embora contemos com os sussurros que não nos agridem, sussurros que, como massa, constroem o instante, a existência. Um ato comum e com isso eu queria dizer que os aplausos são mútuos, se existirem aplausos, assim como caso necessitemos das palavras nas quais pisamos maquinalmente, as palavras, elas que amenizavam as dores do início, do caminhar do espetáculo. São as dores do parto.
E eu repetia satisfeito: - Jaz aqui, homem feito, Mário de Sá-Carneiro!
Tuesday, November 23, 2010
Cântico das Mulukwasi
com as indecisões do percurso, machucam-se
pra que nós nademos
à superfície.
um tronco vazio, o vazio que flutua
- cai no silêncio
vai carregar nossos medos, na névoa:
"nós nadaremos às nossas mães".
nós subiremos à superfície. já sentiu o sopro
suave em tua testa? é o silêncio quem navega,
nossos restos que contraem-se;
quem demora?
a saudade quebra o mantra,
só ouvi o canto cético das bruxas e senti
saudade
nós sentimos a força dos ventos
guiam-nos a precipícios
pra que nós nademos, dizem os velhos,
e busquemos nossas mães
nas margens escondidas dos rios.
Friday, September 03, 2010
uma estrela e a lua
res- piro/ as- sopro teu ar/ ar- quejo/ ex- plodo o luar
so- bejo/ cor- tejo o meu par
es- pirro/ as- sisto/ an- dejo/ um beijo/ me faço calar/ (cala-te)
in- sisto/ in- sisto/ in- sisto
in- cesto/ in- cesto
in- certo é meu par
me faço, me vejo
não, só esqueço que o que sinto por ti/ (cala-te)
que o que sinto por ti/ (cala-te)/ é apego
prados percorrem o enfermo que vai louco
atrás dos socos indescritíveis da mãe
que sangra na placenta a esperança da sombra perdida
ou só consumida no verde azul do céu
a bater-me forte o véu aberto/ abrir-me as veias/ me aperto
trazer do fim destas terras/ se é que têm fim/ minha razão adormecida
me aperto que faz calor/ e me dá sede
falo pra quem quiser ouvir/ me dá sede
falo pra quem quiser ouvir/ me dá sede esse calor
me aperto/ do céu aberto vim/ e vinde a mim/ acolhe-me/ adoça-me
tempera com teu calor o caldo de minha memória/ e cuida minhas feridas
acalenta minha dor
que vim do ventre/ vim do outro/ vinde a mim
me aperta que é quente/ me aperta
mendigo/ eles dor-mem-de-gor-ro
mendigo/ eles dor-mem-de-gor-ro
eu digo, mas não conta? o céu da minha boca que é azul/ (jura?)
ví hoje. e o teu?/ (não sei, nunca tive vontade de me ver)
faz bem. aquele que me achou no mais escuro dos corações
onde serenatas cantam despedidas
onde mãos frias tocam teus cabelos,
aquele achou-me no mais sincero abandono.
vi hoje, e o teu?/ o meu é da cor do mar
tão fundo o mar, tão distante
eu entro nele tímido pra colher as pérolas nos bolsos
meu amor é tudo tão vazio, tão disperso e negro como o sangue que machucaria teus lábios mais uma vez, pois me perdoa que eu não consigo mais sentar na tua frente, segurar um copo, olhar bem na tua cara e fingir interesse no que tu tem pra me dizer, Leonor, é tudo, tudo tão vazio, imerso, seco como meus pelos que procuravam em ti sossego, que esbarram nas cercas vazias de... é tão vazio meu amor... "a fonte paciente que deu de beber a tantas gerações vê com horror como esta última bebe-lhe a porção com expressão amarga", me dizia alguém... e é tão doce, Leonor, é tão pobre o palco, pobre a pintura que mendiga texto, que apaga meus passos porque é suja, é pobre a arte, o artista; faminta a plateia, faminto quem me disse que a fonte de beber que a tantas gerações acalentou vê com tristeza como nós a sorvemos com desprezo, meu amor, porque é suja, faminta a plateia.
ainda puxam-nos os tais fios de ouro
fios invisíveis que, no entanto, arrancam-nos fora a pele
são fios de ouro, soergue-nos da poeira
da poeira que mancha, da miséria que marca
cemitérios brotam nas praças
lá eu me vejo
lá eu me espelho que é de carbono o meu espírito, é de carbono
e me dói, me dói e é normal Leonor
me aperta
“ainda abertas estão as nossas veias”, gritam os mendigos
que carregam nos ombros os nossos pesos
que esperam cansados os nossos beijos
sobejos
abertas estão ainda, abertas
me aperta
eles gritam, me aperta
as portas, as costas nossas de cada dia
gritam os medigos!
e eu vejo
não, só esqueço que o que sinto por mim (shiiiiiiiii...)
que o que sinto por mim (shiiiiiiiiiii...)/ é segredo
nasci aqui, aqui me criei antes das tempestades de terra
antes da escuridão
e que tempos são esses em que falar de árvores e de homens é quase um crime?
por que silenciar-se se os mendigos gritam?
se murmuram nos meus sonos desconfortáveis?
eu quero ouvir! eu quero ouvir-me!
quero as palavras proibidas ecoando nas paredes
e que rachem as paredes, perfurem o tablado
e quero minhas palavras nas bocas de outros homens
e que eu repita a voz dos que consomem
dos que gritam:
ainda abertas estão as nossas veias/ o sangue espalha-se por estas terras sem fim
caudalosos rios lavam os brincos de poeira
carajás, carajás
(gritam os sulcos da terra)
é longe o campo, pobre a serventia/ arrastam o brilho dos olhos desse alguém
calos brotam no peito da menina
carajás, carajás
ouvem-se gritos/ ouvem-se tiros/ ouvem-se mentiras
carajás, carajás
carajás, carajás
assim eles retrabalham o tempo
o tempo que nos queima, amigo
o tempo
o tempo vazio, ainda
ainda que nos seja entregue
a vida que nos impedem, amigo
a vida
ainda assim o tempo vai nos ficar
nos vai deixar calados, de pé
de pé sob a terra
que é tempo de calar-se
amigos, de pé
o tempo
ainda, ainda somos nós
tiros acertam-nos o coração
porque somos só isso, amigo
somos um só
que ergue o punho (de pé, amigos!)
que grita
"as nossas veias ainda estão abertas"
porque somos um só
sós, amigos
amigos, sós
"Que os ventos benfazejos que açoitam as velas da rústica embarcação soprem sempre para nós, dando-nos coragem, dando-nos entusiasmo. E assim venceremos"