Thursday, October 08, 2009

Anzóis puxam Martha Graham

Eu minto quando digo que o homem não é um ser poético. Eu minto quando te nego o desejo que tenho do movimento, de participar da linha que se desconstrói com o tempo e leva ao chão o pouco do corpo salvo. Minto quando desprezo o calor do outro, do desconhecido, quando não desapego do cheiro que é sufoco, que é o nada sem expressão, é pura força. Eu minto porque a luz do palco nada ilumina, me é cega e nós tateamos até o fim do espetáculo... Ao repetir essa linha do corpo, ao repetir o que é inconstante – não monótono, mas inconstante – ao me repetir eu vejo que apenas tateamos a mais bela das danças.

Anzóis puxam Martha Graham da prisão de um vestido negro que, verde do suor azeitado de uma cama rígida mas frio como o corpo de uma mulher que cai da cama e nem se quer se impacienta com o ritmo acelerado das coisas e que desmorona e que, impossibilitada de continuar marchando, vê num retrato o tal pano negro cobrindo o rosto de Martha Graham, a eterna outra, presa nesse pano onde alguém escreveu “amor” com letras garrafais. Minto quando digo que o homem não faz poesia.

Monday, July 06, 2009

linhas malthusianas

até
que

esse
meu suor

que só
mancha os meus

lençóis sem
desculpa falta chuvas e esse sol

a fome do lugar e
as costas sujas de suor as costas sujas de suor as costas

Thursday, March 19, 2009

eis o homem!

é com a boca suja mas mastigada num falso lenço branco que o homem inutilmente tenta esconder-se da platéia . é com o pouco do sorriso amassado no rosto negro que o homem apresenta-se à platéia . é com o corpo magro e inutilizado do homem que a platéia embriaga-se, farta-se da dor alheia . é com o resto desse corpo mergulhado numa lata de coca que o homem martela as costas quentes da plateia . é com as pernas inúteis que o homem suspende-se, é com o barulho dos ossos quebrados nos dentes da plateia que o homem grita, que percebe-se homem : ouvindo a própria dor. é escondendo-se da fome que o homem resume-se no frágil arquétipo, tenta atravessar a platéia faminta de carne negra. lambem-no.

Saturday, January 17, 2009

parto (me)

prados percorrem o humano feito louco
além dos socos
incoercíveis da mãe
que rouba do papel a sombra da placenta perdida
ou só consumida no verde azul do céu

Sunday, January 04, 2009

olhos

aqueles teus olhos que
me tremiam o corpo inteiro que
me esqueciam num espaço num espaço num espaço qualquer que
me espetavam
me afagavam, me afogavam nos braços rijos de tanto amor
não sairam nunca
nunca sairam das minhas lembranças
assustavam tal criança, pura
pura extravagância! pelos olhos eu sentia o calor do corpo
e a escuridão da alma - pedindo baixinho que
"não me engane mais": foram aqueles olhos fundos.
aqueles teus olhos que tanto amei...
hoje me perseguem