res- piro/ as- sopro teu ar/ ar- quejo/ ex- plodo o luar
so- bejo/ cor- tejo o meu par
es- pirro/ as- sisto/ an- dejo/ um beijo/ me faço calar/ (cala-te)
in- sisto/ in- sisto/ in- sisto
in- cesto/ in- cesto
in- certo é meu par
me faço, me vejo
não, só esqueço que o que sinto por ti/ (cala-te)
que o que sinto por ti/ (cala-te)/ é apego
prados percorrem o enfermo que vai louco
atrás dos socos indescritíveis da mãe
que sangra na placenta a esperança da sombra perdida
ou só consumida no verde azul do céu
a bater-me forte o véu aberto/ abrir-me as veias/ me aperto
trazer do fim destas terras/ se é que têm fim/ minha razão adormecida
me aperto que faz calor/ e me dá sede
falo pra quem quiser ouvir/ me dá sede
falo pra quem quiser ouvir/ me dá sede esse calor
me aperto/ do céu aberto vim/ e vinde a mim/ acolhe-me/ adoça-me
tempera com teu calor o caldo de minha memória/ e cuida minhas feridas
acalenta minha dor
que vim do ventre/ vim do outro/ vinde a mim
me aperta que é quente/ me aperta
mendigo/ eles dor-mem-de-gor-ro
mendigo/ eles dor-mem-de-gor-ro
eu digo, mas não conta? o céu da minha boca que é azul/ (jura?)
ví hoje. e o teu?/ (não sei, nunca tive vontade de me ver)
faz bem. aquele que me achou no mais escuro dos corações
onde serenatas cantam despedidas
onde mãos frias tocam teus cabelos,
aquele achou-me no mais sincero abandono.
vi hoje, e o teu?/ o meu é da cor do mar
tão fundo o mar, tão distante
eu entro nele tímido pra colher as pérolas nos bolsos
meu amor é tudo tão vazio, tão disperso e negro como o sangue que machucaria teus lábios mais uma vez, pois me perdoa que eu não consigo mais sentar na tua frente, segurar um copo, olhar bem na tua cara e fingir interesse no que tu tem pra me dizer, Leonor, é tudo, tudo tão vazio, imerso, seco como meus pelos que procuravam em ti sossego, que esbarram nas cercas vazias de... é tão vazio meu amor... "a fonte paciente que deu de beber a tantas gerações vê com horror como esta última bebe-lhe a porção com expressão amarga", me dizia alguém... e é tão doce, Leonor, é tão pobre o palco, pobre a pintura que mendiga texto, que apaga meus passos porque é suja, é pobre a arte, o artista; faminta a plateia, faminto quem me disse que a fonte de beber que a tantas gerações acalentou vê com tristeza como nós a sorvemos com desprezo, meu amor, porque é suja, faminta a plateia.
ainda puxam-nos os tais fios de ouro
fios invisíveis que, no entanto, arrancam-nos fora a pele
são fios de ouro, soergue-nos da poeira
da poeira que mancha, da miséria que marca
cemitérios brotam nas praças
lá eu me vejo
lá eu me espelho que é de carbono o meu espírito, é de carbono
e me dói, me dói e é normal Leonor
me aperta
“ainda abertas estão as nossas veias”, gritam os mendigos
que carregam nos ombros os nossos pesos
que esperam cansados os nossos beijos
sobejos
abertas estão ainda, abertas
me aperta
eles gritam, me aperta
as portas, as costas nossas de cada dia
gritam os medigos!
e eu vejo
não, só esqueço que o que sinto por mim (shiiiiiiiii...)
que o que sinto por mim (shiiiiiiiiiii...)/ é segredo
nasci aqui, aqui me criei antes das tempestades de terra
antes da escuridão
e que tempos são esses em que falar de árvores e de homens é quase um crime?
por que silenciar-se se os mendigos gritam?
se murmuram nos meus sonos desconfortáveis?
eu quero ouvir! eu quero ouvir-me!
quero as palavras proibidas ecoando nas paredes
e que rachem as paredes, perfurem o tablado
e quero minhas palavras nas bocas de outros homens
e que eu repita a voz dos que consomem
dos que gritam:
ainda abertas estão as nossas veias/ o sangue espalha-se por estas terras sem fim
caudalosos rios lavam os brincos de poeira
carajás, carajás
(gritam os sulcos da terra)
é longe o campo, pobre a serventia/ arrastam o brilho dos olhos desse alguém
calos brotam no peito da menina
carajás, carajás
ouvem-se gritos/ ouvem-se tiros/ ouvem-se mentiras
carajás, carajás
carajás, carajás
assim eles retrabalham o tempo
o tempo que nos queima, amigo
o tempo
o tempo vazio, ainda
ainda que nos seja entregue
a vida que nos impedem, amigo
a vida
ainda assim o tempo vai nos ficar
nos vai deixar calados, de pé
de pé sob a terra
que é tempo de calar-se
amigos, de pé
o tempo
ainda, ainda somos nós
tiros acertam-nos o coração
porque somos só isso, amigo
somos um só
que ergue o punho (de pé, amigos!)
que grita
"as nossas veias ainda estão abertas"
porque somos um só
sós, amigos
amigos, sós
"Que os ventos benfazejos que açoitam as velas da rústica embarcação soprem sempre para nós, dando-nos coragem, dando-nos entusiasmo. E assim venceremos"
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