Friday, September 03, 2010

uma estrela e a lua

res- piro/ as- sopro teu ar/ ar- quejo/ ex- plodo o luar

so- bejo/ cor- tejo o meu par

es- pirro/ as- sisto/ an- dejo/ um beijo/ me faço calar/ (cala-te)

in- sisto/ in- sisto/ in- sisto

in- cesto/ in- cesto

in- certo é meu par

me faço, me vejo

não, só esqueço que o que sinto por ti/ (cala-te)

que o que sinto por ti/ (cala-te)/ é apego


prados percorrem o enfermo que vai louco

atrás dos socos indescritíveis da mãe

que sangra na placenta a esperança da sombra perdida

ou só consumida no verde azul do céu


a bater-me forte o véu aberto/ abrir-me as veias/ me aperto

trazer do fim destas terras/ se é que têm fim/ minha razão adormecida

me aperto que faz calor/ e me dá sede

falo pra quem quiser ouvir/ me dá sede

falo pra quem quiser ouvir/ me dá sede esse calor

me aperto/ do céu aberto vim/ e vinde a mim/ acolhe-me/ adoça-me

tempera com teu calor o caldo de minha memória/ e cuida minhas feridas

acalenta minha dor

que vim do ventre/ vim do outro/ vinde a mim

me aperta que é quente/ me aperta


mendigo/ eles dor-mem-de-gor-ro

mendigo/ eles dor-mem-de-gor-ro


eu digo, mas não conta? o céu da minha boca que é azul/ (jura?)

ví hoje. e o teu?/ (não sei, nunca tive vontade de me ver)

faz bem. aquele que me achou no mais escuro dos corações

onde serenatas cantam despedidas

onde mãos frias tocam teus cabelos,

aquele achou-me no mais sincero abandono.

vi hoje, e o teu?/ o meu é da cor do mar

tão fundo o mar, tão distante

eu entro nele tímido pra colher as pérolas nos bolsos


meu amor é tudo tão vazio, tão disperso e negro como o sangue que machucaria teus lábios mais uma vez, pois me perdoa que eu não consigo mais sentar na tua frente, segurar um copo, olhar bem na tua cara e fingir interesse no que tu tem pra me dizer, Leonor, é tudo, tudo tão vazio, imerso, seco como meus pelos que procuravam em ti sossego, que esbarram nas cercas vazias de... é tão vazio meu amor... "a fonte paciente que deu de beber a tantas gerações vê com horror como esta última bebe-lhe a porção com expressão amarga", me dizia alguém... e é tão doce, Leonor, é tão pobre o palco, pobre a pintura que mendiga texto, que apaga meus passos porque é suja, é pobre a arte, o artista; faminta a plateia, faminto quem me disse que a fonte de beber que a tantas gerações acalentou vê com tristeza como nós a sorvemos com desprezo, meu amor, porque é suja, faminta a plateia.


ainda puxam-nos os tais fios de ouro

fios invisíveis que, no entanto, arrancam-nos fora a pele

são fios de ouro, soergue-nos da poeira

da poeira que mancha, da miséria que marca

cemitérios brotam nas praças

lá eu me vejo

lá eu me espelho que é de carbono o meu espírito, é de carbono

e me dói, me dói e é normal Leonor

me aperta

“ainda abertas estão as nossas veias”, gritam os mendigos

que carregam nos ombros os nossos pesos

que esperam cansados os nossos beijos

sobejos

abertas estão ainda, abertas

me aperta

eles gritam, me aperta

as portas, as costas nossas de cada dia

gritam os medigos!

e eu vejo

não, só esqueço que o que sinto por mim (shiiiiiiiii...)

que o que sinto por mim (shiiiiiiiiiii...)/ é segredo

nasci aqui, aqui me criei antes das tempestades de terra

antes da escuridão

e que tempos são esses em que falar de árvores e de homens é quase um crime?

por que silenciar-se se os mendigos gritam?

se murmuram nos meus sonos desconfortáveis?

eu quero ouvir! eu quero ouvir-me!

quero as palavras proibidas ecoando nas paredes

e que rachem as paredes, perfurem o tablado

e quero minhas palavras nas bocas de outros homens

e que eu repita a voz dos que consomem

dos que gritam:


ainda abertas estão as nossas veias/ o sangue espalha-se por estas terras sem fim

caudalosos rios lavam os brincos de poeira

carajás, carajás

(gritam os sulcos da terra)

é longe o campo, pobre a serventia/ arrastam o brilho dos olhos desse alguém

calos brotam no peito da menina

carajás, carajás

ouvem-se gritos/ ouvem-se tiros/ ouvem-se mentiras

carajás, carajás

carajás, carajás


assim eles retrabalham o tempo

o tempo que nos queima, amigo

o tempo

o tempo vazio, ainda

ainda que nos seja entregue

a vida que nos impedem, amigo

a vida

ainda assim o tempo vai nos ficar

nos vai deixar calados, de pé

de pé sob a terra

que é tempo de calar-se

amigos, de pé

o tempo

ainda, ainda somos nós

tiros acertam-nos o coração

porque somos só isso, amigo

somos um só

que ergue o punho (de pé, amigos!)

que grita

"as nossas veias ainda estão abertas"

porque somos um só

sós, amigos

amigos, sós


"Que os ventos benfazejos que açoitam as velas da rústica embarcação soprem sempre para nós, dando-nos coragem, dando-nos entusiasmo. E assim venceremos"

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