Friday, January 22, 2010

Sangue de Malcolm X

O quente desprende-se de meu corpo
mas só aos poucos
sinto
a gravidade da
dormência que causa a bala manchada
com teu sangue. A pele absorve
com dificuldade o outro
que funde-se a mim.

Mas só aos poucos me sinto morrer.

Bebo um pouco do sangue que
corre pavoroso e sinto
um gosto metálico
que não silencia
que jamais silenciará.

Sunday, January 17, 2010

Mário de Sá

O sorriso de um corpo quase morto, sopro que nasce no estreito peito, singular, angular, embriagado falo eu de coisas passadas; erguendo meu crânio, soprando minhas vértebras, como dizia o jovem poeta. A sede que me impede de sorrir é saciada com rapidez e a música nunca me foi tão desnecessária... E é silêncio .Quero me afogar nestas trevas.


Perdi-me dentro de mim
Porque eu era um labirinto
E hoje, quando eu me sinto,
Eu sinto saudades...

Passei pela minha vida
Como um astro doido a sonhar
E na ânsia de ultrapassar-me nem dei por mim.

Sim, porque pra mim é sempre ontem
Não existe o hoje nem o amanhã
O tempo que aos outros foge
Cai em mim feito chuva...

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas tortas que projeto
Se me colo a um espelho erro
Não me acho no meu reflexo...

E alguém bate na porta.


Quem é? Ah! Ora ora!, se não é o meu amigo José Araújo! Quem diria que finalmente apareceu, todos já o esperavam. Olhe, não sou muito de suportar atrasos mas hoje não imponho restrições, o espetáculo começa quando todos os meus amigos chegam, e faço questão de recomeçá-lo toda vez que um novo ente querido vier a mim, afinal, hoje é um dia especial, quero comemorar minha vida. Vamos, entre e fique à vontade.

Fico alguns minutos em silêncio, minutos provocantes. Não consigo esconder a minha sensação de desconforto, nisso sou péssimo ator.

Não, não é só a cabeça que dói, você bem sabe para que veio: assistir-me. E isso implica em não atrapalhar o ator em sua performace, não importa o que ele faça. Então não adianta me pedir para que eu volte atrás porque você me conhece. Apenas sente, espere e observe, meu caro amigo. O espetáculo tem que continuar.
Um brinde ao arseniato de estricnina! Um beijo na eternidade... e um olhar sobre mim mesmo. Eu cada vez mais me convenço de que não saberei resistir ao temporal desfeito, à vida, onde nunca terei lugar... Em suma, não creio em mim nem no meu curso nem no meu futuro! E sofro ainda também, meu querido amigo, por coisas mais estranhas e requintadas: pelas coisas que não foram.

Quando eu morrer que batam as latas
Rompam aos saltos e aos pinotes
Façam estalar no ar chicotes
Chamem palhaços e acrobatas
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à anda-luz
A um morto nada se recusa
Eu quero por força ir de burro...

Pagando pelos pecados que cometi. Aí você me dá um sorriso irônico, cruel, e pergunta: “pecados?”. É já uma outra vida, dá até um livro coberto de imagens: satíricas, metafóricas... eróticas... Outra vida, e nisso não há dúvidas. Ando mais absorvido nas minhas inquietações, hoje pergunto mais antes de agir, perguntas feitas sobretudo a alguém que se enganou durante todo o ato: Mário de Sá-Carneiro.
Mas eu já amei. Quem sabe continuo amando mesmo sendo já tarde, mesmo sendo segunda-feira. Quem sabe... me visto com tantos medos que às vezes a mentira é aplaudida. E tão necessária!... Tão necessária mas não importa, a este suposto ser eu ofereço um último soneto.

Que rosas fugitivas foste, ali
Requeriam-te os tapetes, e vieste
Se me dói hoje o bem que me fizeste
É justo, porque muito te devi
Em que sedas de afagos me envolvi
Quando entraste nas tardes em que apareceste
Como fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar que remordi
Pensei que fosse meu o teu cansaço
Que seria entre nós um longo abraço
O tédio que, de tão esbelta, se curvava
E fugiste... que importa?
Que importa se deixaste
A lembrança violeta que animaste
Onde a minha saudade
A cor se trava?

Sim, que me importa a dor? Pra isso existe uma taça! O que me faz correr e voltar... uma peregrinação sem fim, eu não sei, mas o que me faz correr e voltar é um sentimento de falta intríseco ao homem. A falta. E o que realmente importa pra mim é tudo o que me faz sonhar.

Por um tempo pensei que isso tudo era só narcisismo, fruto típico de um ego tão envaidecido e por que não precoce?... Hoje enxergo os fatos de uma maneira menos presa a questões materiais ou mesmo morais, apesar de sentir o mesmo temor que me persegue a anos. Arthur Schopenhauer, filósofo alemão, disse que não é a morte quem sempre nos ronda; não, não é morte porque todos nós estamos condenados á vida: viver é sofrer, isso eu repito todos os dias. Soa pessimista, talvez, mas não há como não se render a tanta dor e miséria que nos roem a perna, medos que não nos deixam dormir. Sim, porque a dor, a miséria e a desesperança me atacaram um dia, viví de meu sangue. Assisti a sonhos se desmancharem no vazio. E é tão fácil, são frágeis, um instante só e acaba.

Acaba. E eu aqui, tomando champanhe com veneno, olha só! Veneno... e não é nem por riqueza não, sou até mais pobre que outrora, choro até mais que antes. O mundo é mesmo sarcástico... olha aquela estrela e diz se ainda brilha, se já não morreu há muito tempo? É o que sinto ao olhar-me num espelho. E esses sorrisos tão falsos que encontro nas ruas, também já não morreram a décadas? Quem dirá? Não eu.

Sou ainda mais infeliz porque tudo é tão vazio como eu: uma carapaça ainda suja de sangue. Hum... belo título! Mas agora eu só quero o silêncio... e o último gole desta taça.

Fios de ouro puxam por mim
A soerguer-me na poeira
Cada um para seu fim
Cada um para seu norte
Ai que saudade da morte...
Quero dormir... acordar...
Pra que essa grandeza?
Pra que me sonha a realeza
Se a não posso transmigrar?
Ai que saudade da morte
Vontade de dormir...
Vontade de dormir...


Escrito em junho de 2008