Friday, October 03, 2008

Status Quo

Um corpo que ajuda a vender.
A cortina abre mas eu sempre espero um pouco até ter consciência de onde estou. Rostos desconhecidos em sua maioria: pergunto-me para quem eu realmente faço isso: não é mais simples vaidade. O palco (antes tentador mas que agora não pulsa mais) é imenso, às vezes perco-me na sua escuridão, e ele na minha – neste espaço todo sempre fui o único objeto a se mover, percorro-o e todos olham atentos os movimentos ora suaves ora secos que projeto; não consigo fugir desta minha obstinação ao ser tão pontual: nos primeiros minutos já são usados alguns de meus trejeitos – é a forma que busquei para me absorver mais rápido. O palco é frio. Palco que engana, palco que eleva.
Mas a beleza também ajuda a vender.
Modelo o corpo (ou seria exatamente o contrário?) esperando que alguém pague por ele míseros trocados, míseros minutos de prazer roubados na correria sufocante de nossas vidas – não sobra tempo nem para eu lamentar essa tragicomédia. O rosto torna-se pálido mas tenho vontade de rir, de dançar uma valsa que para mim expresse a superfluicidade de momentos assim tão incompreensíveis; acaso, hoje encaro assim: apenas acaso.
Corpo meu?
Cortina que teima em fugir. O simples movimento de um braço me faz aliviar a existência, a perna balança no vazio e eu não consigo disfarçar o sorriso: extensão ilusória de mim mesmo? Danço como se a música fosse feita para aquele instante, como se fosse feita para mim – o artista é mesmo um ser muito ingênuo. Mas até onde vai o corpo? Em que proporções e em quais das tantas dimensões são usadas nessa brincadeira? Se sou eu quem determina o que vejo então a extensão de minha perna perfura o invólucro fino que é o sonho. Esse corpo tão enfeitado seria mesmo menor que o amor que finjo sentir quando me encontro aqui? Impossível!, o amor nunca conseguiu ser tão intenso quanto a mentira. Mas o que é o amor? Como deveria sê-lo? Não sei, pergunta pro Paulo Coelho.
Eu queria ter dito qualquer outro nome, berrar sentimentos estranhos, alheios, irritar-me com o amor. Eles não sabem que a lágrima que cai é improviso. Notam que estou inquieto mas ignoram o desespero. Tenho vontade de correr para nunca mais voltar, largar tudo o que é mecânico, marcado (mercado), sair desta prisão e correr, correr pra nunca mais voltar.
Aplausos pra que? Pra quem? Pra que o corpo serve? É antes um espetáculo aos olhos inchados e barulhentos que a meus pés, nada mais; o cenário cada vez maior, (eu) ruminando as tantas dúvidas de um coração sem pai, sem enxergar uma vida além dos bancos, sem viver além dos bancos – esvazio-me parcialmente em prol de nosso espetáculo, tudo pela Cia.!
Alguns já saem, impacientes.
O suor derrete a pintura que faltava, agora sou orgânico, erro como humano e me visto de André, de João, de Márcia, sou todos da primeira à última fila porque abandonei o simples personagem caricato. Sou qualquer um menos este ser aparentemente cansado, rindo agora muito, eu gosto de rir, gosto de pintar, de dançar, gosto de soltar pipa.
No fim eu paro e fico imóvel.
As cortinas fecham-se, finalmente.
Silêncio.


Maio de 2008

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