Thursday, October 30, 2008

Meus novos hematomas

"Um pêndulo que nasce nos lembra o outro dia, onde tudo é doce e a manhã é longa e acolhedora. Meu cheiro transcende o papel, some por entre casas e outros becos desfazendo-se em bolero. Meus novos hematomas são chagas que me iludem, luzes que me cegam os instintos. E aquele velho senhor que tanto me desejava o bem, por onde anda? Não, eu só queria saber se o seu vício é maior que o meu, a dor..."

Jorge cai.

"Morre! E esconde bem os teus pecados para que os outros não percebam, talvez ainda consiga se salvar. Covardia rima muito bem com o teu nome, Jorge. Eu mesmo te erguiria, colocaria-te lá no topo só para ver a tua quedaque vem do ódio que que nutre por si próprio. O niilismo não te serviu muito, ao que parece."

- Quando sair feche a porta. Nesses tempos não me queixei muito do frio, mas seria bom ver-me trancado neste quaro escuro; sabe, cheio de caminhos. Tua presença, mesmo sendo desagradável, é muito importante para mim. Olha meus pulsos... fiz por ti.

- Deixa de ser tolo, nem ao menos sabe o que é amor! Olha, olha bem pra mim! Foge por que teima em se virar pra trás, erra como antes e se mata como a um inimigo.

- É porque você, Cássio, você não me enxerga, amaldiçoa esta casa mas não me deixa falar. Não cheguei aqui sozinho pra sozinho ficar.

- Claro que não porque eu te conhecí bem pior, meu caro. Tu me deve a vida

- Que vida? Pode me mostrar?! Esta prisão que me sufoca, esse mar insólito do qual me embriago com moléstias, ilusões, quantas alegrias, hein? Sabe o que ganhei quando um dia decidí largar tudo para te seguir? Nada! Fui estúpido. Busquei por respostas que talvez, não, talvez não, com certeza, respostas que com toda a certeza não me farão falta! É uma prisão, já disse isso? Uma prisão, um cemitério. Eu te odeio Cássio, tudo culpa tua!

Jorge continua:

"Eu vivo voltado para a palavra que me define, logruras e logruras numa interminável corrida entre cores que me circulam. Universos nossos tão pequenos... E minha vida? Ah, sei mais. Só um sol a me queimar."

- Mas escuta, tu mesmo se corrompe, é vil isso. Fizeste uma escolha - correta, por sinal-, e agora se arrepende por não mais sentir o chão, por ver tudo desmoronar. Esta é a mudança que tanto te assusta, Jorge.

- Não, o meu fim. Não queria me ver desta forma.

- Tu nunca se viu além do próprio reflexo.

- Me deixa, tira esse cobertor de mim. Já disse mais de uma vez que sou o que eu sonhei um dia e isso é o bastante pra mim; é, o que eu sonho, o que eu como e vomito. Certa vez, sabe? Certa vez acordei cantando com vontade de "ser". Você entende? Vontade de só "ser". Mas hoje, hoje transformei-me num lixo bem menos fértil que outrora.

- Só marcas.

- Não, são minhas chagas. Tempos que amava demais. Tempos que não voltam. Eu não aprenderia nem-

- Nem se eu gritasse...

- ...nem se eu gritasse. Cortes antigos mas a dor ainda é a mesma, nem sei se nesse tempo todo mudei em algo - não sinto nem essa mudança que você repete sempre. Sou fadado à derrota, Cássio. Desistí no meio do caminho... à derrota Cássio. À derrota.

Um que grita.

Corpos, luz e som
desejos altos
..............mas antigas vontades
Poder que tudo santifica
e satisfaz
...................................................como se
como se
..............nada mais me limitasse
Porque o que é fraco logo apodrece
...........................compaixão
desgraça
.................povo

- Sabe, continuo nessa ilusão por não cansar. Vejo um sol, desgraças e gemidos. Ninguém me esqueceu aqui, sozinho, sozinho vou? Corpo que canta, sopra, vontade de potência que ainda não me atrai. Aqui. Cássio? Abram as portas, por favor! E as janelas, mares, gaivotas que apenas voam, brisas e uma vista linda: tão perdida quanto um "quarto negro" cheio de hematomas. Chagas que gritam e me impedem de ser. Gritam, gritam a noite inteira. Um quarto tem chagas, escadas e corpos suados que me dão infinita vertigem. A bola pai, deixa-me tapar-te a boca com um beijo que rasteja sobre pedras e sentimentos alheios, sede de amor, aluguel de vidas - ainda há vida nesse corpo que não se mexe? Não sei, não consigo pensar direito nessa alegria toda, mas somos jovens apesar do que aquele velho diz, e por vezes teimamos em respirar a mesma demência. Pronto, abre os olhos e vê o mundo que fizemos pra você mas nunca mais me pergunte algo (poderia chamar de qualquer coisa por tão real). Não, nada de novo nestas páginas, e o amor, é maior que o teu corpo? Onde estavam para que não a vissem acordar? Amor. Faltam testemunhas com olhos e ouvidos. Os dentes, meus dentes me fazem rir da tua cara. As chagas gritam e me perfuram com desilusões. Saudade, teu mal é saudade. Hein? Tempos em que sorria, limito-me a repetir histórias que só invento; desculpa, sai e independe de mim. Nem mesmo sonhos parecem dizer-me algo. Cheques...

Inexistência que nos segue
Sórdido, sádico
Abalos e partidas, procuro algo que
me choque
Pois o mundo
nesse mundo
nada mais é orgânico.

São passos, infâmias, sussurros. Vomito algo que me corta por dentro, sinto em mim um fio de ouro prestes a romper, suspiro. Passos, continuo ouvindo passos.Neste ambiente é preciso prender a respiração e tampar os ouvidos, camuflar-se e esperar o momento certo para fugir. Mas alguém vem vindo, talvez seja Cássio, veio!Olha Cássio, meu corpo todo sangra por ti. Olha meu sorriso e diz que não sei o que é amor. Lúcido, sinto agora vontade de sair e viver. Cássio, fala comigo, por onde andou? Neste quarto só consigo ouvir a minha voz; nâo, há tantas outras!, olha só quantos gritam meu nome... Parem! Parem!

Sim, é Cássio quem vem para me levantar. Ele passa por entre cortes e respira forte. Respira e volta.

Ele respira e volta.

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